A Revolta da Caxirola

“O Brasil não tem povo, tem público”.

Lima Barreto

Acho que todo brasileiro viu essa frase pela primeira vez em algum livro de história do colégio. Crítica explícita, a frase do escritor mostra que nosso país tem uma tendência quase genética em assistir passivamente o desenrolar dos fatos diante de seus olhos. Como se assistisse um grande jogo de futebol.

Pois bem. Talvez a gente não seja mesmo a melhor definição de “povo”. Mas até o jeito que somos “público” querem decidir por nós.

Eu espero que, nos livros de história do futuro, a frase de Lima Barreto continue lá, denunciando a relação do brasileiro com o estado republicano. Mas que, alguns capítulos à frente, o livro retrate também um episódio curioso, uma insurgência inusitada, um momento em que o povo brasileiro bateu o pé e disse “não”: a Revolta da Caxirola.

Ocorrida nos idos de 2013, a Revolta da Caxirola aconteceu porque, numa releitura dos despachos da época das Bandeiras e dominação portuguesa, forças políticas locais submissas aos interesses de forças políticas de além-mar quiseram impor ao povo-público brasileiro algo descabido. Um instrumento musical inventado à revelia e vendido (literalmente) para inglês ver (literalmente) como um patrimônio e uma tradição brasileira. Um chocalho de plástico, batizado, como tudo mais na Copa do Mundo que se aproximava, com um nome tosco, que disseram ao povo-público que era português mas que em nada se parecia com o português que o povo-público usava em sua vida.

E entregaram o maldito chocalho ao povo-público e disseram ao povo-público para fazer barulho com aquilo nos estádios. A ideia dos governos de além-mar era vender a Caxirola na época da Copa, por 30 reais, ao otário doméstico ou visitante que, como um índio que troca ouro por espelhinhos, caísse nessa.

Entretanto, o povo-público já estava combalido por outras coisas. Já havia sido ludibriado por promessas superfaturadas a respeito da própria Copa. Já estava farto de várias outras coisas que não o representavam virando símbolo a sua frente. E aí uma insurgência aconteceu. A Caxirola que deveria fazer barulho seria silenciada. Começou na Bahia, onde uma chuva de Caxirolas caiu sobre o gramado da Arena Itaipava (antiga Fonte Nova).

Com fé, a Revolta da Caxirola vai se espalhar pelo Brasil. Seu nome já demonstra seu potencial de entrar para os livros de história como o episódio em que o povo brasileiro, tão carente de símbolos, encontrou um que denunciava com perfeição o quanto tentavam fazer esse povo-público de otário.

Que os portadores de Caxirola, a partir de agora e até a Copa, sejam julgados e condenados pela sociedade brasileira e que o barulho desse chocalho maldito nunca seja capaz de suprimir o verdadeiro barulho de nosso povo-público nos estádios, nosso grito genuíno contra todos aqueles que acham que podem pensar pela gente:

“Ei, Galvão, vai tomar no cu!”


A Conspiração do Bacon

Bacon não faz mal para a saúde. Ponto. Simples assim. Pode ir viver a vida feliz se empanturrando dessa delícia gordurosa e me agradeça depois. Você passou um bom tempo da vida ouvindo que não podia exagerar no bacon porque ele ia entupir suas artérias e fazer seu coração explodir. Pois saiba, querido leitor, que isso tudo não passa de uma bela farsa.

Trata-se de uma grande conspiração do governo juntamente com o Conselho Federal de Medicina para encobrir e proteger aqueles que são os verdadeiros culpados por fazer suas artérias entupirem e seu coração parar. E por que culpar o inocente bacon? Simples: para manter a ordem social e a civilidade. Afinal, você não tem vontade de dar um tiro no bacon. Não tem vontade de atropelar o bacon. Não tem vontade de esfregar a cara do bacon no chapisco ou prender o mamilo do bacon na escada rolante. Mas com os verdadeiros culpados por fazer seu coração parar, esses sim despertam seus desejos mais psicóticos.

Mas a farsa acaba agora. Abaixo você encontra uma lista detalhada apontando os verdadeiros culpados por fazerem suas artérias entupirem e seu coração parar. Espero que, ao tomar conhecimento dessa lista, você evite, em primeiro lugar, o convívio diário e a exposição prolongada a qualquer um destes elementos, pelo bem da sua saúde física, mental e emocional. Em segundo lugar e o mais importante: evite a todo custo o contato sexual com qualquer um desses elementos, para que sua reprodução atinja os níveis mínimos e a saúde mental, emocional e física do planeta melhore também.

–       Telemarketings

A forma mais comum entre os elementos danosos ao coração. Uma verdadeira praga do mundo moderno. Não adianta, se você é usuário de QUALQUER serviço contemporâneo está exposto aos malefícios do telemarketing. Vai pedir o táxi? Sybelle Christienne vai fazer seu peito apertar. Vai reclamar da tevê a cabo? Cleidson Jônatan vai fazer você sentir uma dor alucinante no braço esquerdo. Vai solicitar um cancelamento pra TIM? Aí tudo bem, porque vai ser o último telemarketing que você vai ligar na vida, porque se o seu coração não explodir depois dessa, meu amigo, nem uma overdose de cocaína derruba esse aí.

–       Cidadãos de bem

Elemento sazonal, costuma ser danoso ao coração em períodos específicos, especialmente quando temas polêmicos estão em voga no país. Vão fazer seu coração bater mais forte, mas pelo menos possuem um ponto positivo: você possui um pequeno tempo de reação à enxurrada de chorume que o elemento dispara. Ao vê-lo abrir a boca e escutar expressões como “Não sou preconceituoso, mas…” ou “Não sou homofóbico mas…” tampe rápido os ouvidos e se prepare, porque lá vem pedrada. O alcance do dano dos cidadãos de bem tem sido muito potencializado com o advento da internet, cuja principal característica é dar voz aos acéfalos. Possuem ainda uma variação adaptada, descrita logo abaixo.

–       Populares

Variações dos cidadãos de bem, os populares também atacam em momentos específicos, e sempre em bandos. Sua característica principal é opinar e se manifestar sobre assuntos em que não têm a menor familiaridade. Seus danos são potencializados por dois fatores perigosíssimos. Em primeiro lugar, a mídia AMA os populares.  A Regina Casé quer uma opinião “das ruas” sobre o novo pacote econômico da Grécia? Tem lá um popular a postos pra falar. O julgamento do goleiro Bruno vai começar? Tem lá um popular pronto pra protestar. A greve da Polícia alterou a rotina da cidade? Tem lá um popular pronto pra desfilar todo o seu conhecimento. Em segundo lugar, porque os populares possuem um tipo de “canto da sereia”. É tão surreal ouvir os populares que você fica hipnotizado, em uma fascinação pelo grotesco. Quando você acorda, já tá afim de socar o popular através da televisão. E a pressão arterial a mil.

–       Funcionários do transporte público

A grande série dos funcionários talvez seja o cigarro dos elementos danosos ao coração. É muito elemento que faz mal junto. Só no subgrupo dos funcionários públicos gastaríamos uma eternidade e eu não acredito na eternidade, então vamos focar em três grupos específicos. Os primeiros são os funcionários do transporte público. A começar pelo motorista, que entre outras coisas dirige um ônibus lotado de seres humanos com menos cuidado que um motorista de caminhão de 19 anos do Pará sob efeito de rebite dirige um caminhão lotado de madeira ilegal enquanto foge da polícia. E como idiota atrai idiota, esse vem junto do trocador. Esse grande profissional com olhos de lince está sempre pronto pra dar sinal pro motorista sair com o ônibus, na delicadeza costumeira, enquanto uma de suas pernas está na calçada e a outra ainda dentro do coletivo. Não há dúvidas: os funcionários do transporte público querem te matar antes que você morra do coração por causa deles. Mas não é só isso que eles querem: depois de fazer você esperar o ônibus por 45 minutos, eles ainda querem o seu bom dia.

–       Funcionários que respondem a todos

Um elemento que, combinado com os funcionários do transporte público, pode ser fatal em um curtíssimo período de tempo. É só pensar que, depois de sua pequena odisseia no transporte público, você chega ao trabalho (atrasado), abre seu e-mail e encontra 459 mensagens não lidas, das quais nove são de trabalho, uma é um vídeo do Porta dos Fundos e os 449 restantes são “kkkkk”, “rsrsrsrsr”e “HUEHUEHEUEHUE” em resposta a esse e-mail com o vídeo, uma vez que os chipanzés adestrados que trabalham com você não se contentam em responder ao engraçadão da firma que mandou o vídeo, eles fazem questão que todo mundo saiba que eles abriram o dito cujo, assitiram e deram risada.

–       Funcionários homeopáticos

O pior e mais danoso elemento do grupo dos funcionários, o funcionário homeopático é aquele ser que deveria ser capaz de efetivamente produzir algum resultado, mas cujo efeito, principalmente em reuniões, é absolutamente placebo. É aquele cara do RH que te pergunta numa entrevista que animal você seria, se você fosse um animal. É aquela gostosinha do marketing que fez administração, nunca pisou numa agência e na apresentação daquela campanha foda, com um texto polêmico, desdobramento nas redes sociais e uma ideia com muito potencial engajador vai implicar com o azul claro da blusa da atriz. Esses tipos aí, meu amigo, são capazes de fazer seu peito explodir mais rápido que se o Alien saísse lá de dentro.

–       Estudantes de direito

Elemento curioso, vai fazer seu coração parar. Literalmente. De preguiça. O estudante de direito é a pior forma de um elemento chato, porém com pouco potencial danoso, os adolescentes. São adolescentes potencializados. Acham que sabem tudo, acham que são os donos do mundo, acham que ficam bem de terno e acham que serão bem sucedidos. E vão tentar te provar isso com argumentos mais toscos que o cabelo do Marco Feliciano. Por sorte, o resultado do primeiro exame da OAB praticamente erradica o potencial danoso desse elemento.

–       Pessoas que querem ver na Copa

Uma epidemia que assolou o país, as pessoas que querem ver na Copa são os elementos que te fazem querer bater a cabeça na parede, entrar em coma e só acordar em 2015. Sua forma mais comum são os profetas do apocalipse que têm certeza que na Copa o transporte vai parar, os hospitais vão lotar, os políticos vão roubar, a bolha imobiliária vai estourar e o Rogério Ceni vai ser presidente tendo o Luciano Huck de vice. Mas ainda tem um outro tipo, que também vai te apoquentar: os otimistas. Os otimistas vão reclamar dos pessimistas, vão começar a botar a cerveja pra gelar desde já, vão torcer pra Suécia ficar na cidade deles pra eles pegarem umas louras e, numa releitura do tiozão do pavê, vão pedir pra emendar 2015 porque eles também querem ver nas Olimpíadas.

–       Vendedores de abacaxi de Marataízes

Domingo, 7:45 da manhã. Você se encontra em seu quarto, dormindo profusamente, afinal trabalhou igual uma mula a semana inteira e enfiou o pé na jaca no sábado. Seu inconsciente nem sonha, apenas agradece pelo friozinho que começou a fazer. Eis que surge o elemento, com sua D20 – 87 e seu alto falante enrolado com fita adesiva e se anuncia, como Deus em pessoa anunciando o apocalipse. Às 7:45 da manhã: “OLHA O ABACAXI DE MARATAÍZES. SÓ CINCO REAIS”. No caso desse elemento, dois corações param: o seu, de susto e de ódio. E o dele, porque você vai até a rua e o arranca com as mãos.

–       Comentaristas de palestra

Um parasita que habita qualquer ambiente em que haja um microfone, uma aglomeração de mais de cinco pessoas e um momento para perguntas. Sejam elas aulas, workshops ou palestras. Numa capacidade quase sobrenatural, o comentarista de palestra vai sentir no ar o seu sono, a sua fome, a sua vontade de ir ao banheiro ou simplesmente a sua vontade de levantar daquela cadeira, e pode ter certeza, ele vai pedir o microfone. Mas não para perguntar. Ele quer apenas agradecer a oportunidade. Ele quer apenas reforçar o que o professor falou. Ele quer apenas contar de um case que ele viu. Ele quer apenas, em sua manifestação, ser notado e criar um vínculo com o palestrante. Ele quer um amigo. Ele quer, ao parar o seu coração de impaciência, preencher o vazio do coração dele.

–       Evangelizadores

Tipo clássico. Os evangelizadores vão chegar ao seu coração pelos ouvidos. São um elemento implacável: argumente com o evangelizador e você já perdeu. Xingue o evangelizador e você já perdeu. Faça troça do evangelizador e você já perdeu. Nada é páreo para o escudo de ignorância e a metralhadora verborrágica do evangelizador. E não pense que estou falando apenas daquele tipo clássico, da assembleia de deus, do PSDB e afins não. Pense também naquele seu cunhado que é consultor da Prudential. Sentiu? É seu coração dando um solavanco.

–       Boiadeiros

Boiadeiros são seres que herdaram, por algum motivo, o espírito e modo de vida dos jagunços e bandeirantes que desbravaram os grotões do país e acham que isso ainda vale pro mundo contemporâneo. Eles vão arrotar na sua orelha e achar engraçado, eles vão cutucar a unha do mindinho com a faca e achar engraçado, eles vão dar um tapa na testa da sua namorada e achar engraçado. Mas não é só isso. Eles vão reclamar que tudo é caro e vão sugerir que o happy hour seja naquele bar mais podreira de todos, porque lá que a cerveja tem preço justo e o resto todo é lavagem de dinheiro. Pode até frequentar o bar se quiser, mas saiba que se sofrer um infarto, a culpa não vai ser do ovo cozido em conserva não.

–       Gordos com labirintite

Não confunda o gordo com labirintite com o gordo. Nada contra gordos, mas o gordo com labirintite é foda. O Gordo com labirintite é aquele elemento que simplesmente não tem noção do espaço que ocupa. Tá no ônibus? O gordo com labirintite vai tentar se encaixar atrás de você e vai ficar com uma teta em cada ombro seu. Tá no show? O gordo com labirintite vai tentar pular do seu lado e vai pisar no seu pé. Tá na fila do banco? O gordo com labirintite vai reclamar que quer sentar. Tá na academia? O gordo com labirintite vai malhar do seu lado de shorts e encostar a coxa monstra suada em você. No fim, você que tinha certeza que ia enfartar depois dele ao ver o tamanho da omelete que ele come, vai bater as botas rapidinho. E ele vai no seu velório. E vai tropeçar no seu caixão.

Bem, é isso. Peço que você coloque esse texto em um e-mail e encaminhe para suas tias falando que é um texto do Jabor. Assim a verdade chegará ao e-mail de todos os brasileiros.

Agora pode ir lá comer seu sanduíche de trailler tranquilo, mas atento: esta não é a única conspiração que o governo e o Conselho Federal de Medicina armaram pra cima de nossa sociedade. Em uma próxima ocasião, vou contar como uma tríade perigosa tem mudado o comportamento dos brasileiros: uma combinação mortal de merthiolate que não arde, banalização do bullying e inserção da pimenta biquinho em todos os petiscos de bar vem criando uma geração absolutamente abobalhada e com tendências politicamente corretas.

Esteja sempre alerta!


O diabo está nos detalhes

Por algum motivo (ou vários), o Brasil parece estar vivendo um momento de ebulição de cidadania na questão do tratamento das minorias. E Belo Horizonte em especial tem sido foco de alguns dos casos mais expressivos, para o bem e para o mal, de questões que inflamaram a discussão nos últimos dias. Primeiro com o trote do direito, depois – e quase simultaneamente, com o caso do neonazista da Savassi e das fanpages de combate à homofobia das torcidas de Cruzeiro e Atlético.

 

Nenhuma dessas questões teria tido a repercussão que tiveram se não fosse o poder mobilizador das redes sociais em geral. Esse “poder de mobilização” ainda sofre muitos questionamentos em relação à sua real eficácia para gerar mudanças efetivas na sociedade, mas é inegável sua força para difundir a informação. Ao menos nas redes sociais, a mudança de mentalidade causada por essa difusão da informação parece estar acontecendo (aí estão as fanpagens anti homofobia para provar), e até fora da internet a coisa está dando resultados: essa manhã foi divulgado um vídeo que mostra a prisão do neonazista da Savassi. Bom demais, final feliz com a punição e com o comportamento demonstrado na internet.

 

Eu queria muito acreditar nisso que eu escrevi aí em cima, mas posso assegurar que 90% dos comentários que vi sobre a prisão do mané torciam para que ele “dividisse uma cela com negões” para “ser feito de moça”. Comentários esse vindos, na maioria das vezes dos mesmos bastiões da cruzada pelas minorias. Penso que essas frases não foram escolhidas ao acaso. Longe de mim querer com esse argumento invalidar as tentativas de mudança no comportamento que estamos experimentando, tentativas com as quais eu compactuo, e muito. Mas a oportunidade é boa para apontar o dedo também para nossas próprias contradições.  O diabo está nos detalhes.


O Poderoso Chefão

Outra curtinha:
Hoje de manhã enquanto lavava louça (não é uma metáfora) tive uma epifania: Deus é o maior mafioso que já existiu. Antes de preparar suas pedras, amigo cristão, entenda: isso não é uma ofensa, não estou dizendo que Deus é criminoso. É apenas lógica simples (se bem que você odeia lógica simples também). Enfim, apresento alguns argumentos de porque Deus é o maior mafioso que já existiu:
– A sede do poder de Deus fica na Itália.
– Deus tem gente sua infiltrada na política.
– As pessoas de Deus fazem de tudo para proteger “a família”.
– Deus costuma enviar mensagens através de morte e destruição.
– Você paga tributos a Deus para ele te proteger das coisas que ele mesmo criou.
– Deus te faz ofertas que você não pode recusar (me ame ou vá pro inferno).
– Você nunca viu Deus e Don Corleone ao mesmo tempo no mesmo lugar.
Parece uma teoria absurda? Tudo bem, é só mais uma pra coleção do personagem. Escolha a que gosta mais e seja feliz. Mas convenhamos que a da máfia tem muito mais charme.

A vingança do atendimento

#humordobem

09:45

Atendimento ao telefone:

– Oiê! Tudo tranquilo? Já entrou em todos os sites, blogs, deu check in, colocou as hashtags no insta e todas as referências fodásticas no pinterest?

Criação (esfregando o rosto):

– Já, por que?

– Porque eu vou passar um job aí pra você.

– Marco Feliciano nos proteja, lá vem bomba.

– Aí que você se engana bobinho. Depois que criaram o Grupo de Atendimento, essa realidade mudou, queridô. Já alinhei o briefing com o cliente, já escrevi, peguei umas referências, revisei o português, negociei prazo e tô te mandando agora! Pode abrir sua pauta aí.

Criação (levemente surpreso):

– Meu deus… e não é que tá aqui mesmo?

– Eu falei… Só pra destacar os pontos mais importantes aí: é pra criar um filme pra Mercedes. A essência é a mesma daquele filme da Luiza que fizemos um tempo atrás, lembra? Apesar de ser uma marca de luxo, li num relatório de tendência que fala que o novo filão das marcas é o “luxo acessível”. Ainda mais em um mercado como o Brasil né, queridô, com todos os incentivos do governo para a população comprar carros, redução do IPI etc, mais a nova Classe C comprando cada vez mais e melhor… enfim, você sabe do que eu tô falando.

Criação (fingindo que sabe):

– É… total. ducaralho isso aí. Foda.

– Ah, e fiz um curso de neuromarketing outro dia, e lá estávamos discutindo que esse negócio de varejão não tá colando muito mais não. Tenta mostrar os atributos do carro de uma maneira mais subjetiva.

Criação (agora realmente assustado):

– Beleza. Vou colocar alguém aqui pra pensar esse job comigo.

10:30

Atendimento (enquanto folheia a Meio & Mensagem):

– Queridô, já tá tocando o job? Troca uma ideia com o planejamento que ele tá aqui putinho no email falando que tem uns insights bacanas pra dividir com vocês… sabe como é né. Parece que passou aquela febre dele de querer colocar o Neymar pra vender tudo que é produto. Cismou agora que entende de digital… “díxhital”, como diz ele. Afe. Enfim, diz ele aqui que a moda agora é pegar carona nos memes do momento.

Criação (que já tinha passado o job pro estagiário a muuuuuito tempo):

– Ah… tá. Vou avisar aqui.

Dois dias depois, 17:40

Atendimento (tranquilo e sereno):

– E aí, como tá aquele job?

–  Indo.

– Quer que tente negociar mais prazo com o cliente?

Criação (desconfiado):

– a…acho que não.

– Ok então. Queridô, estava pesquisando umas referências aq…

– Espera, espera, espera… você?

– Eu.

– Pesquisando referências?

– Sim.

– Depois de já ter entrado com o job?

– Te falei que mudei, queridô.

– Que medo.

– Enfim, vou te passar por email.

18:30 (Atendimento por email):

– Olha só, está aqui a referência. Podia sair algo com essa pegada, hein?

https://www.youtube.com/watch?v=b8UDCxzLfEA

18:45 (Criação responde):

Valeu. Vou encaminhar pro estagiário aqui que ele que tá tocando isso. Tem que ver um email que o planejamento mandou aqui com outra trilha também.

Sexta feira, dia da apresentação.

Criação (descansada e feliz):

– Bom, taí o filme. Queríamos uma coisa um pouco diferente, mas o planejamento deu chilique pra colocar a trilha que ele escolheu.

Atendimento:

– Aiaiai queridô, mas você tá botando fé na peça? A menina do marketing lá é nova hein, recém formada em administração, uma gracinha. Mas não sei do que ela gosta ainda.

– Ah, vamos ver o que dá…

– Ok, vou apresentar com todo o empenho para que seja aprovada. Confio no trabalho da agência e nunca passou pela minha cabeça barrar um trabalho aqui dentro antes de mostrar pro cliente. Vamo que vamo!

Criação (apaixonado):

– Isso aí! Vamo que vamo!

Email do atendimento, mais tarde aquele dia, para criação, planejamento e estagiário:

– Queridôs, ela achou surreal esse conceito Classe A pra Classe C. Falou que vocês estão assistindo demais o programa da Regina Casé. Bom, eu ainda tentei salvar e sugeri a ela que pré-testasse a campanha. Mas ela não entendeu muito bem quando eu expliquei que pré teste era mostrar pro público antes de colocar na TV. Acabou colocando no youtube. Dá uma olhada aí:

https://www.youtube.com/watch?v=MMGr77s3QFk

Vamos torcer pra galera gostar né?

Beijos!

PS: Apesar de ainda estar absorvendo a surrealidade, gostei muito da campanha do Classe A. Mas eu gosto mais da zueira.


Lembrem-se de Zé Cláudio Ribeiro

Eu era muito novo pra me lembrar do assassinato de Chico Mendes e muito imaturo pra me importar com o assassinato de Dorothy Stang. Além disso, eu tenho uma predisposição a não procurar saber muitos detalhes de casos de crimes pra não infectar o meu dia. Mas o caso do Zé foi diferente.

Me lembro que a fala do Zé foi uma das primeiras que assiti ao vivo, por streaming, quando descobri o TED. Questões ambientais nunca foram meu forte, mas achei sensacional ele estar ali, dividindo com o mundo uma sabedoria que não se encontra facilmente é que é, mais facilmente ainda, perdida. A sabedoria tão exaltada por meu conterrâneo Guimarães Rosa, de quem aprende observando, matutando, respeitando. Não consegui enxergar um ponto em sua fala com o qual não concordasse, apesar de sua realidade tão distante da minha.

Algum tempo depois abri o twitter e li a notícia de que Zé e sua esposa tinham sido assassinados, como o próprio previu que aconteceria em sua palestra. Já tinha idade e maturidade suficiente pra entender a agressão que aquele fato significava. O casal de extrativistas foi morto no Pará, numa emboscada, em mais uma das inúmeras disputas por terra na região.

Zé, o julgamento dos “suspeitos” de terem te matado começa hoje. Eu não acredito que você esteja me ouvindo em um lugar melhor agora. Eu não acredito em oração. Eu não acredito que esse julgamento vai mudar a realidade da sua região, marcada pela impunidade. Eu não acredito que manifestações na internet são a melhor maneira de mostrar revolta. Eu não sei nem se vou conseguir colocar o vídeo de sua fala direito aqui no fim desse texto. Mas vou ficar na esperança de uma condenação, na esperança que as árvores que você acreditava que eram suas irmãs continuem de pé e na esperança que esse país mude um pouquinho. Eu tô torcendo, Zé, e eu não vou esquecer de você.

http://www.youtube.com/watch?v=XO2pwnrji8I

 


Eu queria ser o Liam Neeson

*uma homenagem a todos os monges que tentam usar o serviço de táxi de Belo Horizonte.

 

–       Chame Táxi BH, Tâmilla Krystienne, boa tarde!

–       Boa tarde, Tâmilla, eu gostaria de um táxi.

–       Perfeitamente senhor, e o senhor está indo pra onde?

–       Santa Efigênia.

–       E o pagamento vai ser em dinheiro ou cartão?

–       Voucher.

–       É convênio?

–       É, uai.

–       O telefone é o 8983-3940?

–       Isso.

–       É o senhor Eduardo?

–       Isso.

–       E o senhor vai esperar na porta?

–       Isso.

–       E qual o endereço?

–       Pátio Savassi.

–       O endereço senhor.

–       Tô no Pátio Savassi, o shopping. Na Avenida do Contorno.

–       E qual o número, senhor?

–       Não sei o número.

–       Mas eu preciso do número senhor.

–       Mas eu estou longe da entrada Tâmilla. É o shopping na avenida do Contorno com Nossa Senhora do Carmo, não tem erro.

–       Senhor, sem o número não consigo abrir o pedido.

–       Então só um minutinho.

 

[Após andar até a entrada do shopping porque nenhum funcionário sabe informar]

 

–       Então: número 2908.

–       Ok, senhor. Na avenida do Contorno?

–       Isso.

–       E o senhor tem um ponto de referência?

–       Como assim?

–       Um ponto de referência, pra eu passar pro taxista. Uma avenida, um shopping.

–       Sério, Tâmilla?

–       Sério, senhor.

–       Shopping Pátio Savassi, na avenida do Contorno.

–       Ok senhor, mas no momento não temos táxi. O senhor quer que eu continue tentando chamar algum?

–       Não, Tâmilla. Eu quero te avisar o seguinte: eu não sei quem você é. Mas eu vou te caçar. Eu vou te encontrar. E eu vou te matar.